domingo, 4 de novembro de 2012

Consciência Negra - Atividades

A MOSCA ATRAPALHADA


Vou contar para vocês a confusão e correria que uma mosca arrumou certa vez...
Uma mosca viu uma cobra dormindo em cima dum monte de lenha e, prestimosa como sempre, foi logo avisando-a:
-- Ó, dona cobra, fuja daí porque está chegando alguém para buscar a lenha e a vendi aí pode matá-la.
A cobra seguiu o conselho e se enfiou apressadamente dentro da toca de um rato. Este, ao ver a cobra entrando pela sua casa adentro, deu um guincho e fugiu todo esbaforido pela saída de emergência. Do lado de fora, deu um esbarrão na perna do faisão que, nervoso, começou a berrar. O macaco, que estava dormindo, ao ouvir a gritaria,deu um pulo tão grande que um galho caiu em cima da cabeça de um elefante que estava passando debaixo da árvore naquele momento.
O elefante, apavorado, saiu esmagando tudo pela frente e acabou pisando no ninho de pássaro ntiétié. Esta ave, que tem as penas vermelhas como fogo, ficou tão zangada que incendiou a planície.
O veado, que passava ali por perto, queimou as patas e correu em direção ao rio para se refrescar. Estava tão assustado que se esqueceu de gritar, como fazia sempre, para avisas as mulheres da aldeia, que estavam banhando-se no rio, para se vestirem.
Elas saíram correndo e foram imediatamente se queixar ao chefe da aldeia.
O veado foi então chamado para se explicar. Ele pediu desculpas e pôs a culpa no pássaro ntiétié. O chefe da aldeia mandou chamar o pássaro e este se defendeu acusando o elefante. E assim por diante todos os animais metidos na confusão tiveram que se apresentar ao enfurecido chefe da aldeia para se justificarem.
Até que chegou a vez da mosca que quis fazer um bem avisando a cobra e acabou se dando mal. O chefe da aldeia reuniu o conselho de ancião para julgar o caso, e ela foi perdoada.
Hoje vive por ai zumbindo no nariz da gente.
 
 
 
Poema: Sou Negro
 
Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs


Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.


Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso


Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou


Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...
 
 
 
Texto com palavras de origem africana
A kizomba do boteco do Chicão


Estava passando pelo boteco do Chicão, quando vi que lá havia um tremendo fuzuê - era uma kizomba da qual queria participar, mas o Chicão me disse que só se fosse de abadá.
Voltei ao meu cafofo, procure, procurei, mas não conseguia encontrá-lo. Por causa disso, fiquei fulo da vida, meu cafofo era uma verdadeira bagunça. Havia trecos e cacarecos espalhados por todo canto, mas felizmente consegui encontrá-lo. Na hora de sair, meu irmão caçula começou a chorar de fome e a fazer um tremendo fuzuê, mas a mama fez-lhe um dengo até que ele acalmasse. Naquele momento, eu só queria paz e axé.
Aproveitando a ocasião, convidei também um amigo. Chegando lá, de posse de seu atabaque, afoxé e agogô, fizemos uma azoeira sem fim.
Ao som do batuque dançamos o jongo, caímos no samba e jogamos capoeira. Havia muito quitute apetitoso, porém, por eu ter abusado do acarajé bem apimentado, de repente, comecei a passar mal no melhor da kizomba.
Voltei para meu cafofo completamente borocoxô e pedi a mama que me preparasse um chá de erva mulungu e me fizesse um cafuné bem gostoso até que eu pudesse dormir.
 
 
 
 
Natal Africano


Não há pinheiros nem há neve,
Nada do que é convencional,
Nada daquilo que se escreve
Ou que se diz... Mas é Natal.


Que ar abafado! A chuva banha
A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.


Nem luz, nem cores, nem lembrança
Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
                                                                           Que em toda a parte é sempre igual.



Não há pastores nem ovelhas,
Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.



Cabral do Nascimento
Obra Poética
Porto, Edições Asa, 2003
 
 
 

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